9 de fevereiro de 2011

Olfato

Às quatro, a tribuna começou a se encher. (...) Toda a aristocracia da cidade estava presente. (...) A hora tornava-se solene.
(...) Descendo a Rue Droite, vinha uma carruagem fechada, puxada por dois cavalos - a carruagem do delegado de polícia. (...) Muitos acharam até que a encenação da entrada fora adequada. Um criminoso tão incomumente horrendo merecia um tratamento incomum. Não se podia arrastá-lo em correntes até a praça, como um assaltante ordinário. Tirá-lo da carruagem e levá-lo para a cruz de Santo André - isso era de uma crueldade incomparavelmente mais imaginosa.
(...) Grenouille desceu da carruagem como um homem livre.
Foi quando aconteceu um milagre. Ou algo parecido com um milagre, ou seja, algo de tal modo inconcebível, inimaginável e incrível que todas as testemunhas o teriam depois classificado como milagre, se por acaso tivessem alguma vez falado sobre isso (o que não aconteceu, pois mais tarde todos se envergonharam de sequer terem participado disso). (...)
Todos ficaram fracos como mocinhas submetidas ao sedutor charme do namorado. Sobreveio-lhes um poderoso sentimento de simpatia, de delicadeza, de fantástica amorosidade infantil, sim, sabe Deus, de amor por esse pequeno assassino, e não queriam, não podiam fazer nada contra isso. (...)
O povo entregava-se, entrementes, cada vez mais desavergonhadamente à incrível embriaguez dos sentidos. (...)
A consequência foi que a planejada execução de um dos criminosos mais merecedores da abominação em sua época acabou redundando no maior bacanal que o mundo havia visto desde o segundo século antes de Cristo: pudendas senhoras rasgavam as blusas, soltavam com histéricos gritos os seus seios, jogavam-se no chão com as saias puxadas para cima. Homens tropeçavam com olhares errantes pelo campo da lasciva carne exibida, puxavam, com os dedos a tremer, para fora das calças os seus membros endurecidos, duros como se estivessem sido congelados por uma geada invisível, saíam chiando, gemendo em qualquer lugar, copulavam mas mais impossíveis posições e combinações, velho com virgem, jornaleiro com mulher de advogado, aprendiz com freira, jesuíta com mulher de maçom, tudo misturado, conforme o acaso dispusesse. O ar estava pesado com o doce cheiro do suor do desejo e barulhento com a gritaria, com os grunhidos e gemidos dos dez mil animais humanos. Era infernal.


(Trecho de O Perfume, de Patrick Süskind)

   
(Trecho do filme Perfume - A História de um Assassino, baseado no livro)

7 de fevereiro de 2011

Com prazer


Causo um choque térmico em teu coração...


...e beijo-te com a tua boca.

O Pássaro Deífico




A palavra tem o poder de nos criar imagens
A palavra tem o poder de mexer com o corpo
Tuas palavras dormem em mim
E acordam por vezes brandas, por vezes agitadas
Criavam em mim uma ideia mutável e furtiva

Não sei como, nem de onde
Pousava em meu ombro um Pássaro Deífico
E tal qual os hemisférios se perseguem no passar dos dias
Assim era eu com teu rosto e corpo alados

E então, sem procurar o achei
Tua compleição sinuosa, provocadora
Desenhos impressos como reconhecimento da Natureza
De que és Obra de Arte

Teus cabelos sintetizam a delicadeza e obstinação
Carregam a essência de onde vieram
Dormem com vitalidade no divo berço
Que és tu

Teu olhar é um Desafio em cada átimo
Essência de independência
O contraste da delicadeza que salta com ferocidade
Vence distâncias e instiga meu corpo

Voarás alto comigo, aonde nunca fostes

5 de fevereiro de 2011

OPA... Silêncio ainda porque agora é minha vez

Eu não sei quem é você; e muito menos quem é seu marido. Só sei que não sou eu. Tudo isso é um terrível engano.
Sabe... eu odeio usar imperativos com as pessoas, mas agora me vejo obrigado a isso. PARE DE ME INCOMODAR, E VÁ PROCURAR QUEM VOCÊ DIZ SER SEU MARIDO.
ESCLAREÇA LOGO AS COISAS, E PERCEBA O ENGANO QUE ESTÁ COMETENDO.
Você deve ser bem insegura pra agir do jeito que está agindo. Eu até posso entender a raiva (cega, certamente), as ofensas... MAS ATINGIR OS VISITANTES DO MEU BLOG, NÃO !!!!! ISSO PASSA DE INSEGURANÇA PRA ALGO MUITO PIOR: MALDADE. Quer atingir o seu marido ? Vai lá então ! MAS ATINGIR OS MEUS VISITANTES, JOGANDO UNS CONTRA OS OUTROS, FAZENDO COMENTÁRIOS ODIOSOS E AMEAÇADORES, NUNCA !!!!
APRENDA UMA LIÇÃO (UMA PESSOA TÃO HUMILDE COMO VOCÊ OUVINDO QUE DEVE APRENDER UMA LIÇÃO DEVE SER DIFÍCIL, CERTO !?): OLHAR PARA O OUTRO COMO PROPRIEDADE SUA SÓ PREJUDICA VOCÊ E TODOS A SUA VOLTA.

E pense bem: se eu realmente não sou seu marido, então não tenho receio do que possa fazer ou do que já esteja fazendo contra ele.
Repito: você cometeu um terrível engano. Busque outra forma de se certificar da verdade. Se seu marido realmente tem um blog, não é este.
Se quiser fazer comentários pertinentes a meus posts, fique à vontade. Mas se continuar como está, os comentários serão excluídos, como até agora.


Peço desculpas a todos os que me visitam. Sem visitantes, meu blog não é nada. Sintam-se à vontade para comentar.

4 de fevereiro de 2011

Gestalt


Sou o mais cálido dia entre tuas noites de luas cheia e minguante...

2 de fevereiro de 2011

Tentos a cada nuance

Encontraram-se na área de serviço. Cada um com seu pacote de lixo. É a primeira vez que se falam.
- Bom-dia.
- Bom-dia.
- A senhora é do 610.
- E o senhor do 612.
- É...
- Eu ainda não o conhecia pessoalmente...
- Pois é...
- Desculpe a minha indiscrição, mas tenho visto o seu lixo...
- O meu o quê ?
- O seu lixo.
- Ah...
- Reparei que nunca é muito. Sua família deve ser pequena...
- Na verdade sou só eu.
- Mmmm. Notei também que o senhor usa muita comida em lata.
- É que eu tenho que fazer minha própria comida. E como não sei cozinhar...
- Entendo.
- A senhora também...
- Me chame de você.
- Você também perdoe a minha indiscrição, mas tenho visto alguns restos de comida em seu lixo. Champignons, coisas assim...
- É que eu gosto muito de cozinhar. Fazer pratos diferentes. Mas como moro sozinha, às vezes sobra...
- A senhora... Você não tem família ?
- Tenho, mas não aqui.
- No Espírito Santo.
- Como é que você sabe ?
- Vejo uns envelopes no seu lixo. Do Espírito Santo.
- É. Mamãe escreve todas as semanas.
- Ela é professora ?
- Isso é incrível ! Como foi que você adivinhou ?
- Pela letra no envelope. Achei que era letra de professora.
- O senhor não recebe muitas cartas. A julgar pelo seu lixo.
- Pois é...
- No outro dia tinha um envelope de telegrama amassado.
- É.
- Más notícias ?
- Meu pai. Morreu.
- Sinto muito.
- Ele já estava bem velhinho. Lá no Sul. Há tempos não nos víamos.
- Foi por isso que você recomeçou a fumar ?
- Como é que você sabe ?
- De um dia para o outro começaram a aparecer carteiras de cigarro amassadas no seu lixo.
- É verdade. Mas consegui parar outra vez.
- Eu, graças a Deus, nunca fumei.
- Eu sei. Mas tenho visto uns vidrinhos de comprimido no seu lixo.
- Tranquilizantes. Foi uma fase. Já passou.
- Você brigou com o namorado, certo ?
- Isso você também descobriu no lixo ?
- Primeiro o buquê de flores, com o cartãozinho, jogado. Depois, muito lenço de papel.
- É, chorei bastante. Mas já passou.
- Mas hoje ainda tem uns lencinhos...
- É que eu estou com um pouco de coriza.
- Ah.
- Vejo muita revista de palavras cruzadas no seu lixo.
- É. Sim. Bem. Eu fico muito em casa. Não saio muito. Sabe como é.
- Namorada ?
- Não.
- Mas há uns dias tinha uma fotografia de mulher no seu lixo. Até bonitinha.
- Eu estava limpando umas gavetas. Coisa antiga.
- Você não rasgou a fotografia. Isso significa que, no fundo, você quer que ela volte.
- Você já está analisando o meu lixo !
- Não posso negar que o seu lixo me interessou.
- Engraçado. Quando examinei o seu lixo, decidi que gostaria de conhecê-la. Acho que foi a poesia.
- Não ! Você viu meus poemas ?
- Vi e gostei muito.
- Mas são muito ruins !
- Se você achasse eles ruins mesmo, teria rasgado. Eles só estavam dobrados.
- Se eu soubesse que você ia ler...
- Só não fiquei com eles porque, afinal, estaria roubando. Se bem que, não sei: o lixo da pessoa ainda é propriedade dela ?
- Acho que não. Lixo é domínio público.
- Você tem razão. Através do lixo, o particular se torna público. O que sobra da nossa vida privada se integra com a sobra dos outros. O lixo é comunitário. É a nossa parte mais social. Será isso ?
- Bom, aí você já está indo fundo demais no lixo. Acho que...
- Ontem, no seu lixo...
- O quê ?
- Me enganei, ou eram cascas de camarão ?
- Acertou. Comprei uns camarões graúdos e descasquei.
- Eu adoro camarão.
- Descasquei, mas ainda não comi. Quem sabe a gente pode...
- Jantar juntos ?
- É...
- Não quero dar trabalho.
- Trabalho nenhum.
- Vai sujar a sua cozinha.
- Nada. Num instante se limpa tudo e põe os restos fora.
- No seu lixo ou no meu ?


(O lixo - O melhor das Comédias da Vida Privada, de Luis Fernando Veríssimo)


1 de fevereiro de 2011

Sim...

Deite-se em minha cama quando quiser...






Vamos prum lounge
Beber um vinho safra ruim
E conversar sobre a tv


Vamos pra longe
Sem se tocar os olhos vão
Se encontrar e se perder









Seja pra um cafuné...




Eu e você assim de perto dá
Pra eu me perder de vez nas tuas tintas
Me dê uma noite, um pouco da manhã
Só pra eu sacar se os olhos mudam de cor







Ou pra fazermos de nossos corpos conflagrações de sensações.



Vamos entrar
A minha casa não é quente
Trago um vermelho pra esquentar


Vamos suar
Com o veneno da serpente
Que eu roubei pra te picar



(Lounge - Maria Gadú)